15.1.14

Parar. Olhar. Num cruzamento na Amazónia.


Um cruzamento. Na Amazónia. Sim. Mais concretamente, em Rurrenabaque. Um qualquer, sem critério especial.

O dia escoava-se com premência, a noite de luz cheia, com o céu decorado de nuvens fofas, começava a envolver-me à mesma velocidade com que os néons e lâmpadas economizadoras se acendiam nas ruas geometricamente talhadas na margem do ainda estreito mas pujante curso de água, lamacento como convém na estação das chuvas. A caminho do meu pouso na última localidade digna desse nome no curso do rio Beni, já no coração da Amazónia boliviana, decido parar. Ninguém me esperava e o estômago estava ainda forrado por uma deliciosa empada de galinha frita comprada a uma senhora de rosto rotundo e olhar franco, no porto, por 25 cêntimos.

Parar.


Uma excelente actividade para qualquer fotógrafo. Em vez de correr atrás de temas, sujeitos ou gentes, simplesmente parar. Sem instinto predador. Ou talvez sim. Um pouquinho, admito. Mas não camuflado. Bem à vista de todos. Escolho uma esquina, ora em pé, ora encostado à parede ora sentado no lancil do passeio. Motorizadas, motoretas, bicicletas, carrinhos, jipes e camiões passam por este cruzamento, num vórtice de luz, formas, sons e cheiros continuados. É um festim para a objectiva - ISO no máximo, abertura total, dedo no disparador... olhar vivo.

A calma de aguardar pela acção em vez de a perseguir dá-me diversas vantagens. Quem é fotografado vem ao meu encontro, não sou eu a persegui-lo. De alguma forma essa atitude desarma as pessoas. Torna a máquina fotográfica e o fotógrafo menos agressivos, menos intrusivos. Por outro, numa estrada, à hora de ponta (se é que tal coisa existe numa comunidade com menos de 5000 habitantes, onde nada nem ninguém parecem ter pressa), há tanto a acontecer que mais um fotógrafo estrangeiro não parece ser assunto de maior importância...

Ao fim de meia hora e centenas de personagens anónimas, retiro-me. No quarto, sob o silvo rouco de uma ventoinha de tecto que tenta, numa luta desigual, substituir o ar condicionado inexistente peleando contra o calor húmido e insidioso, revejo as imagens de há minutos atrás... Valeu a pena, parar.


3 comentários:

  1. é favor (tentar) não deixar de actualizar o blog durante muito tempo! Aqui estamos a acompanhar-te. Abraço e continuação de boa viagem António! :)

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  2. A partir de 6ª feira, caso tudo corra como previsto, estarei completamente fora do radar durante 10 dias, altura em que (espero) terei feito o percurso Rurrenabaque - Riberalta :-)! Se der notícias nessa altura, é porque as anacondas, caimões e indígenas locais me concederam a benesse de viver...

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    1. epá se alguma anaconda te der uns apertos, vê se sacas umas fotos que isso é capaz de ficar interessante numa exposição! :p Que tudo corra bem!

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