10.2.14

Beni: Navegar é preciso


Parafraseando Fernando Pessoa, “Navegar é preciso”! Assim o fiz, seguindo a máxima do mestre e sentindo na pele o toque fresco das águas castanhas dos rios Beni, Madeira e Amazonas, topónimos distantes que passaram a fazer parte indelével da minha história pessoal. Regressado que estou à base e tendo também iniciado o moroso processo de edição dos conteúdos captados ao longo deste mês e meio de viagem pela América do Sul, irei durante os próximos tempos filtrar as fotos e pensamentos que de lá trouxe, as emoções que me marcaram corpo e alma, as histórias que pululam no meu  âmago e que seria egoísmo não partilhar.







Como em quase tudo, as primeiras impressões são as que mais nos marcam, independentemente do que o caminho nos traga de seguida. O troço de viagem pelo Beni, que separava Rurrenabaque, entrada na selva boliviana, até Riberalta, já bem perto da fronteira com o Brasil e, por isso, “saída” dessa mesma selva, foi desde o início o que mais interrogações levantava, pelo manto de desconhecimento que sobre ele existia. Buscando na internet e em guias de viagem, pouco ou nada se encontrava. Não era propriamente difícil de chegar a Rurre, como é afectuosamente apelidada pelos locais a singular localidade, mas daí em diante o caminho far-se-ia andando. Ou, com maior propriedade neste caso, navegando! Chegados à cidade, e após uma busca no escuro de alguém que nos conduzisse por um emaranhado de meandros fluviais, surgiram duas hipóteses. Seguindo sobretudo o instinto, Eddy Ocampo foi o escolhido. Após uma negociação curta, mas em que conseguimos incluir um gerador sem custos adicionais e baixar 500 bolivianos ao preço proposto, com 3 dias de preparativos transcorridos - comprar 700 litros de gasolina revelou-se o principal obstáculo - virámos costas ao conforto e à civilização como a conhecemos no nosso quotidiano. Daí em diante seriam minúsculas aldeias, gentes bem diferentes, paisagens esmagadoras.

Falo-vos hoje apenas dos primeiros instantes desse primeiro dia. Aquele em que todas as dúvidas, todas as ansiedades, todas as interrogações se materializavam, numa nuvem densa que pairava sobre o meu espírito e que, sei-o por experiência de muitas viagens, apenas se dissiparia depois de cortadas as amarras do porto seguro de partida…





Desde logo, a partida, sob intensa chuva, não augurava nada de bom. Uma das tendas quase ia borda fora, quando um frágil e longuilineo barco, quase submerso sob o peso de enormes seixos rolados trazidos da outra margem, nos abalroou, fazendo tombar parte da carga. Dizem que a sorte protege os audazes. Seria o nosso caso?! Meia hora decorrida, a bátega de água maciça passada e o céu plúmbeo que clareava, tive o primeiro momento sublime desta viagem. Sem que o esperasse minimamente, Juan Pablo, o marinheiro ajudante, surge silencioso da popa, saco de plástico em riste. Abro e, para meu grande espanto, cheira a peixe! 


Um maravilhoso peixe grelhado, ainda quente, com arroz branco e salada, para comer em movimento, à medida que uma paisagem pacífica, exuberante e monótona passava diante dos meus olhos, tal qual uma película cinematográfica tridimensional. A sensação de saborear tão delicado repasto perante um improvável e surreal cenário desafia a minha capacidade de descrição verbal… Foi inesperado. Bom. Sublime. A primeira de muitas sensações intensas ao longo desse dia… 


2 comentários:

  1. Rui Vale13.2.14

    Continua, que nós vamos lendo! E o "peixe" tem bom aspecto! ;-)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Pois, ignoro que tipo de peixe seria... há coisas que é melhor nem saber!

      Eliminar