8.3.14

Beni: Quilombo, a barafunda na Bolívia

Esto es un quilombo!!!

Afirmação bombástica do Eddy, poucos dias passados desde que deixáramos para trás Rurrenabaque. Após uma sequência de expressões entreolhadas nos 4 portugueses, rapidamente o capitão do barco se apressou a explicar: quilombo é uma expressão idiomática na Amazónia boliviana, significando confusão, barafunda. Precisamente o que tínhamos naqueles 13 x 1,5 metros, onde mantimentos, combustível, gerador, bagagem, cozinha, equipamento fotográfico e informático e mais 6 mamíferos se amontoavam várias horas por dia. Diariamente o barco tinha de ser parcialmente descarregado e carregado na manhã seguinte, uma vez que dormíamos nas povoações ribeirinhas e cozinhávamos o jantar em terra. O almoço, esse, era confeccionado durante a viagem, pelo Juan Pablo, normalmente comida fria e saladas, muito higienicamente lavadas do rio, borda fora! Aliás, foi um verdadeiro milagre que nenhum dos 4 tenha tido desarranjos ao longo de todo este tempo, atendendo à quantidade de comida lavada em água de rio, a sumos com água de parte incerta e a ingredientes crus... só faltou mesmo beber do rio, castanhinho! Coisa que os locais faziam com a maior descontração! Locais esses que, sempre que chegávamos a uma aldeia, nos perguntavam de onde vinhamos e para onde íamos. "-De Rurrenabaque para Riberalta", repetíamos, já antecipando os esgares de espanto e pressentido, quase telepaticamente, o rótulo que mentalmente nos era aposto, de doidinhos estrangeiros que não têm melhor que fazer!




Uma vida baseada num barco tão exíguo quanto este tinha várias implicações. Uma das principais, o banho. Sem água canalizada em qualquer das localidades onde parámos, com temperaturas perto dos 30ºC e humidade a rondar os 100%, as consequências são fáceis de imaginar. O rio era a opção. Uma opção que, para além da sensação refrescante do contacto com a água, provocava também arrepios gelados: aquele elemento líquido em que nos submergíamos voluntariamente era partilhado por toda a espécie de bicharada pouco sociável: caimões, anacondas e outros tipos de cobras, piranhas e, a cereja em cima do bolo, os temidos candirús - pequenos peixes que detectam o odor da urina na água e que têm o mau hábito de se introduzir na uretra (ou no ânus) e, lá dentro, cravar uns espigões tipo anzol, só podendo ser removidos cirurgicamente! Uma maçada, podem imaginar...


Outra das dificuldades era o abastecimento de energia. Nas aldeias não havia eletricidade, excepto alguns painéis solares que alimentavam baterias por pouco tempo, logo tivemos de assegurar que conseguíramos carregar as pilhas, e ter os portáteis activos para descarregar as imagens. Na negociação do valor da expedição conseguimos incluir um gerador, que o Eddy arranjou não se sabe onde. O barulho era infernal, sobrepondo-se ao do já pouco discreto motor fora de borda. E, de cada vez que chovia, lá fazíamos a corrida, periclitante, como é óbvio, para os baldes de plástico vermelho, onde albergávamos os sacos de equipamento eléctrico! Após os aguaceiros, por vezes fortes (ainda que tenhamos tido muita sorte, dado estarmos na época das chuvas), o Quilombo virava estendal: meias, t-shirts, boxers, sapatilhas, qualquer canto servia para secar os panos (rapidamente, dado o sol que, quando abria, era intenso)!


Mas, claro, as cervejas foram o requinte de malvadez, um luxo que, observei, fez sucesso, como se pode ver na cara exultante do Tiago (que, caso não tenham reparado, usou a mesma t-shirt durante quase toda a viagem - como todos nós!) Bem, o sumo de malte foi apreciado por todos menos eu, que não consigo gostar da beberagem, por mais fresca que esteja! E os números impressionam: subrepticiamente alojadas na caixa de esferovite térmica onde a carne ia acondicionada em gelo, foram embarcadas 72 latas de 33cl, mais concretamente 23,76 litros do líquido amarelo, quase 8 litros por cada um dos 3 consumidores, que desapareceram ainda a viagem ia a meio, como que por artes mágicas!








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