Teodoro Quispe. Teo para os amigos. Foi este o nome que mais pronunciei nos dias de ascenção ao Huayna Potosi. E é com ele que termino esta série, dedicada àquela montanha que tanto passou a representar para mim, uma singela homenagem a uma pessoa com que apenas privei escassos dias mas que acabou por ficar no meu coração!
O Teo é guia de montanha na Bolívia há mais de uma década (encartado, apressa-se a assegurar, de credencial na mão)! Inicialmente de poucas palavras, vai-se tornando mais eloquente com o passar dos dias. Jovem, na casa dos 30, tem já um filho adolescente, que encontramos no campo alto. Trabalha na montanha, na base da cadeia alimentar, segundo diz ele próprio - é porter (carregador) de mantimentos para o refúgio que serve de suporte para o ataque ao pico.
Vive em El Alto, a grande cidade-satélite de La Paz, que se espraia até perder de vista, no planalto que encima a cratera da capital de facto do mais pobre país da América do Sul, a 4000m de altitude. No meio da confusão que a feira, à porta de casa, provoca, relembra-me que devo comprar pilhas extra para a lanterna frontal e uns snacks para os dias de aclimatação e assalto ao cume. À medida que saímos da metrópole, rapidamente o tijolo caótico das ruas desordenadas dá lugar a vastas extensões de terra ocre, estéril, tornadas ainda mais soturnas pela manhã chuvosa que se apresenta. A certa altura a neve começa a bordejar as curvas mais escuras da estrada, e vamos subindo lentamente a montanha, até chegar aos 4700m, a base da caminhada.
No refúgio, Teo faz um pouco de tudo - trata da logística dos quartos, começa a preparar o almoço, verifica com o guarda as condições da neve e as previsões meteorológicas para o dia seguinte. A parte da tarde será ocupada com um trekking curto, de aclimatação, que culmina na escalada do Glaciar Viejo - notoriamente reduzido, a julgar pelas marcas da moreia, na encosta, largas dezenas de metros acima das nossas cabeças!
Mas é nos dias seguintes que o seu carácter cândido, quase ingénuo mas extremamente profissional, se revela. Na noite anterior à subida o mal de altitude começa a fazer-se sentir e começa a testar a minha convicção quanto à subida. O vento intenso, que parece querer fazer voar metade do precário refúgio, junta-se à festa! Com a subida marcada bem cedo, de forma a chegar ao pico antes do nascer do sol, com a neve mais firme pela descida de temperatura nocturna, arrancamos a um passo aparentemente demasiado lento. Nesta montanha fácil, o grande obstáculo é a altitude e as consequências fisiológicas às quais a maioria dos corpos não está habituado. Aos 5900m sinto que a coordenação dos meus movimentos está longe de ser a desejável num ambiente destes - o vento das crestas é irregular e intenso, sinto-me instável, a bambolear, e peço ao Teo para parar. Com um sorriso endiabrado, continua: "-Até vamos tornar isto mais interessante! Vamos subir já aqui". Levanto o olhar e a escassa luz que já começava a surgir no céu mostra uma encosta quase vertical! Fez-se um click. De repente sinto a adrenalina a percorrer o corpo e o turpor a desvanecer-se com ela. Daqui em diante não havia margem para erros e a atenção redobrada obrigava a um foco que fez desaparecer as dores de cabeça. Sem ter bem noção de quanto faltava ainda (o altímetro do relógio deixou de funcionar, provavelmente devido à baixa temperatura), lá fui subindo, passo após passo, encordado com o Teo, que de tempos a tempos murmurava algo do género "-Está quase!".
A chegada ao pico já aqui a contei. Apenas não falei do abraço sentido que demos, que me ficou na memória juntamente à sensação de superação. Para o Teo era mais um dia de trabalho. Para mim era a concretização de um sonho de criança. A ele o devo, em boa parte. Gracias, Teo!
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