16.5.17

Zulmira | pastora montanheira

O dia estava chuvoso. Sombrio, mesmo. O nevoeiro baixo tapava os cumes circundantes e fundia a linha de horizonte a poucas centenas de metros. Desafiando a meteorologia, subíamos encosta acima ao longo da Ribeira das Quelhas, uma das jóias escondidas da Serra da Lousã. À distância esperava-nos uma majestosa cascata, alimentada pela precipitação intensa dos últimos dias, numa Primavera ainda titubeante. Adiante, entre urzes e giestas encardidas pelas agruras do Inverno serrano, um ladrar intimidante começa a ouvir-se, cada vez mais perto, sem que o seu dono se deixasse ver.  De repente surge um robusto rafeiro a um par de metros. E em simultâneo uma voz feminina, firme, chama-o de volta!

Entra em cena Zulmira Henriques. Pastora do Coentral, a aldeia mais próxima, na boca do vale. Primeiro apenas a vemos ao longe, pouco mais que uma mancha de violeta contra os tons ocres da montanha desnuda, fustigada ano após ano por impiedosos incêndios. Ambos nos aproximamos, lentamente, não vá o cachorro duvidar das boas intenções fotográficas.

Os olhos azuis claros faiscavam à medida que nos contava a sua vida, faces rosadas do esforço da subida, com o entusiasmo de quem muito provavelmente falava com alguém pela primeira vez naquele dia: sempre havia vivido ali, tinha um pequeno rebanho de cabras, filhos espalhados pelo país, todos os dias eram passados na serra, alternando com o marido a tarefa do pastoreio e da ordenha, que acontecia ao entardecer. Não duvidei da dureza da sua vida, mas o encanto simples com que falava dela era enternecedor...

No seu casaco violeta até ao joelho, chapéu de chuva verde e gorro de lã clara havia em Zulmira uma elegância inata, uma aura que nem a idade nem a vida dura haviam apagado. Despedimo-nos de coração cheio, gratos pelo privilégio destes encontros fortuitos...


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