24.6.13

Eu e o vinho. E o meu avô e a minha filha.



Uma imagem. Uma memória. Hoje falarei apenas de uma única imagem. Esta.

E também do vinho... bebida ancestral, objecto de odes, cultos e obras literárias infindáveis, elemento transversal a algumas das mais ancestrais culturas do Velho Continente e arredores. Eu, nascido numa família de produtores artesanais de vinho, desde muito jovem convivi com esta presença, na terra do meu avô, Cabanas de Viriato (dizem que este bravo por lá andou, talvez pela proximidade aos Montes Hermínios - vulgo Serra da Estrela...  também há quem diga que Cabanas havia muitas, então era preciso dar um segundo nome e, pronto, alguém se lembrou do velho senhor. Adiante...). A época das vindimas sempre foi animada! Adorava, em miúdo, ter uma tesoura pequenina nas mãos, andar periclitantemente encavalitado em cima do tractor, no meio de grandes baldes cheios de uvas maduras que vertiam o pegajoso suco por todos os lados e nos deixavam ainda mais doces! No lagar, o climax: pisar as uvas, como os homens de barba rija e pelo na venta, num ritual que causaria ataques de taquicardia aos arautos da higienização extrema que hoje abundam. Depois, banho de mangueirada, água gélida na pele suave de criança, bem lá no meio do pátio!

Mas, paradoxalmente, e para grande tristeza dos meus ascendentes paternos... não gosto de vinho. Tinto, nem pensar. Branco ou verde, só se for muito frio e estiver com muita sede, e só mesmo para provar! Mas, ironia do destino, ao longo da minha vida profissional têm surgido diversos contactos com este mundo, e é um gosto (ainda que não do palato) continuar ligado a esta realidade.

Recordo a azáfama na casa do meu avô, onde estava a adega e os lagares. A sua voz assertiva (eufemismo para dar ordens a tudo e todos), a mestria na condução do tractor (ficou uma vez debaixo dele, conduziu até aos 80 e tal, e só com enorme relutância o deixou, quando o inexorável efeito do tempo se fez sentir, roubando-lhe lentamente a visão), o gosto em receber os amigos com vinho, broa e presunto, entre enormes pipas e uma mesa corrida, na qual se dizia terem estado ilustres homens da praça pública da época...

De tempos mais recentes, os seus anos áureos já idos, recordo um dia especial. Era necessário engarrafar vinho (tarefa que, admito, nunca me agradou muito), e lá fomos: avô, filho, netos... e bisneta. Oito décadas separavam o mais velho e o mais jovem protagonista, quatro gerações em redor deste nobre líquido, consumido apenas por duas, mas que a todas unia. E foi nesse dia que fiz aquela que considero ser a mais bela fotografia que realizei da minha filha e do meu avô, juntos. Um momento terno, singelo, num ambiente pouco dado a carinho mas em que, inesperadamente, a luz, o movimento e as formas se compuseram para um instante que não mais se repetirá. O toque de duas mãos tão diferentes, tão antagónicas mas tão próximas faz-me, ainda hoje, sorrir.

Espero que esta fotografia se perpetue como uma boa recordação do avô Fernando, e que a criança que se aninha no seu colo, e que caminha agora a passos largos para a adolescência, para ela olhe com o mesmo enlevo com que eu a captei.

3 comentários:

  1. Um quadro maravilhoso, cheio de ternura. Apenas estive com o bisavô por uma vez e gostei de ter conversado com ele; a bisneta, vi-a apenas uma vez, recém-nascida. E ela, de certeza absoluta, a há-de olhar com mesmo enlevo que o pai.
    Um beijo para a menina.

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  2. Anónimo8.8.13

    Impossivel não olhar com ternura. Inesquecivel certamente...

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