Este verão voltei, na companhia do amigo Tiago Costa, a um dos meus locais preferidos do "quintal" luso (entendendo "quintal" como os "arredores"): Picos da Europa. A umas escassas centenas de quilómetros, dividida por três comunidades - Castela e Leão, Cantábria e Asturias - esta região montanhosa pode-se bem considerar território familiar.
Os Picos, uma pequena cordilheira de características alpinas culminada pela Torre de Cerredo, com os seus 2650m de altitude, esconde mais do que à primeira vista poderia parecer. Senhores de uma meteorologia muito peculiar, são a primeira grande cadeia montanhosa que as massas de ar carregadas de humidade do Atlântico encontram ao chegar a terra firme, o que faz com que a pluviosidade e instabilidade climatéricas façam deste acidente geográfico uma zona de alta montanha caprichosa e, em muitas ocasiões, perigosa.
Voltarei às crónicas sobre os Picos nos próximos dias, às suas paisagens deslumbrantes, ao trekking e ao montanhismo que por lá se faz, mas a mais vívida impressão que desta viagem trouxe foi a que em mim provocou um singular local: Collado Jermoso. Tecnicamente, é um passo de montanha, a que ascendemos a partir de Cordiñanes, numa longa caminhada com um desnível superior a 1000m de altitude. Para lá chegar, só a pé, e após várias horas por uma das mais agrestes paisagens da cordilheira. Mas, no momento em que se ultrapassa o último canal, tudo muda.
Senti-me invadido de uma paz imensa, por uma sensação de imponderabilidade que a escarpa à beira da qual almoçámos ajudava a cimentar, como se de repente todo o cansaço físico se desvanecesse, fazendo com que nos sintamos mais próximos do éter, nos vejamos como parte de algo maior, equilibrado, harmonioso, um sentido de difícil compreensão mas que, sim, existe.
O refúgio é uma pequena cabana, de 2 pisos, feita em rocha e madeira, propriedade da Federación de Deportes de Montaña, Escalada y Senderismo de Castilla y León, encaixada num pequeno prado entre uma parede gigantesca e um precipício não menor, o único local da zona onde as avalanches não chegam. A esperar-nos, Pablo, o guarda do refúgio - um montanhista de porte seco, ágil, reservado mas afável, a caminho dos 40, que cuidava de uma mula de olhar indolente, trazida até aqui através de caminhos periclitantes e de fortes pendentes, pelo primeiro ano, com o objectivo de transportar as cargas mais pesadas.
Instantes depois as nuvens ganhavam tons sanguíneos, e as estrelas começavam a surgir, como se alguém tivesse ligado uma iluminação celestial megalómana. O jantar estava servido, e a Via Láctea assomava sem convite no firmamento. Duas horas mais tarde, já nada se ouvia. As gentes da montanha despertam cedo, muito cedo, e um bom sono é um requisito para quem faz de desafios físicos e mentais extremos o seu quotidiano. Escutar o inquietante silêncio da montanha sob tal cenário, sentindo o frio ligeiro mas presente que os céus límpidos parecem ampliar, é um privilégio imenso...
António, a última foto está fabulosa.
ResponderEliminarFiquei com saudades da paz da montanha...
Este foi sem dúvida um dos ocasos mais gloriosos que presenciei até hoje!
ResponderEliminarTive o privilegio de estar neste sitio em agosto do ano passado com o Tiago!...Sem dúvida, o silencio da montanha é esmagador!...
ResponderEliminaradorei!!
ML
É-o! Inquestionavelmente.
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