29.9.13
Regresso ao passado a bordo da National Geographic
Não. Apesar do rosto algo juvenil do personagem, não foi num DeLorean futurista que esta viagem aconteceu. E não foi ao futuro. Foi mesmo ao passado.
Fiz recentemente uma viagem pela rota das Aldeias Históricas em trabalho para a National Geographic, numa peça que será publicada em Novembro próximo. O objectivo: nada pouco ambicioso. Mostrar o passado, o presente e o futuro destes povoados, carregados de história mas com perspectivas futuras algo sombrias. São 12 as pérolas da arquitectura tradicional que integram esta rede, criada nos anos 90 com o objectivo de valorizar e revitalizar um património raiano que se encontrava em franca desertificação. De Norte para Sul, são então: Marialva, Castelo Rodrigo, Trancoso, Almeida, Castelo Mendo, Linhares, Belmonte, Sortelha, Castelo Novo, Monsanto, Idanha-a-Velha e, a Oeste, algo desligada das restantes, o Piódão.
A paisagem é sem dúvida deslumbrante. A forma como elas se integram no cenário natural seria por si só uma lição em muitas faculdades de arquitectura: a rocha, as formas, o aproveitamento da geografia em favor de um urbanismo simples mas funcional. Mas a minha missão ia bem para lá de fotografar paisagens e rochas empilhadas em forma de muralhas e casas rústicas. Tinha o objectivo primordial de encontrar gente, de mostrar o coração que ainda bate neste interior remoto, de retratar o quotidiano das gentes que a estas aldeias chamam casa.
Sabia que não seria fácil. Não porque as pessoas sejam pouco acessíveis. Não o são, bem pelo contrário. Mas porque na maioria destas povoações a presença humana é fugaz e quase etérea. A média etária é muito alta, os jovens fogem (compreensivelmente) para os centros urbanos locais e nacionais, as opções esfumando-se com o passar dos anos.
Mas, simultaneamente, o encanto de vaguear estes espaços é magnético. Ter a noção de olhar para construções com centenas de anos, nalgumas das quais foi derramado sangue em combates ferozes na luta pela independência, passar por ruas que viram reis, rainhas, príncipes e princesas, inquisitores e judeus, tudo isto são percepções que eu procurava materializar em imagens que fizessem juz à reputação da National Geographic.
Muitos foram os momentos que cristalizo no pensamento: o mercado de 6ª feira em Trancoso, onde uma pequena cidade (dizem os locais que é um caso único: foi elevada a cidade, mas é também vila medieval e aldeia histórica, um verdadeiro 3 em 1!) se transforma e milhares de pessoas a enchem, das aldeias em redor, comprando e vendendo de tudo um pouco; o entardecer numa esplanada paradoxalmente sofisticada em Castelo Rodrigo, sob a pluma de fumo de um incêndio que consumia, inexorável, a contígua Serra da Marofa; a noite em Sortelha, com a aldeia praticamente por minha conta, ou a sempre espectacular subida ao castelo de Monsanto, um dos mais imponentes inselbergs portugueses... A fim de mostrar perspectivas diferentes, uma das minhas preocupações em qualquer trabalho que faça, aluguei por uma manhã um avião, que permitiu sobrevooar a maioria das aldeias e conseguir imagens de enquadramento, abrangentes. É maravilhoso, estar numa pequena aeronave, a algumas centenas de metros do solo. E também aterrador: foi durante o incêndio da Serra do Caramulo. Visão do inferno, acreditem!
Mas, curiosamente, foi na mais insólita das aldeias que me surpreendi e que o instinto fotográfico se revelou no seu melhor. Castelo Mendo. Situada numa depressão do terreno, tudo em si era também, aparentemente, depressivo: ruas desertas, um sol intenso e opressivo, um pó que bailava com as rajadas ocasionais que se sentiam. Não via o que mais poderia fotografar para além da igreja em ruínas e de uma ou outra construção mais bonita. Até que, de repente, já de saída, ouço vozes numa porta aberta. No exterior, nada a distinguia de uma casa de habitação. Hesitei. Espreitei através da cortina anti-moscas. Esperava-me um café típico de aldeia: meia dúzia de cadeiras, sem janelas, um balcão básico, cartazes envelhecidos nas paredes. E gente!!! O mais escasso bem por estas bandas! Rapidamente meti conversa com a proprietária, que ainda mais rapidamente me convenceu a comprar um calendário com uma bela santa na capa para patrocinar a festa da terra! Passado poucos minutos, um ainda mais surpreendente acontecimento: pela cortina, em contra-luz, irrompem várias crianças pequenas saltando e brincando como é habitual na criançada, correndo para os braços abertos de velhinhas que, instantaneamente, ficaram com rostos iluminados por toda aquela emoção! De repente, o espaço pareceu invadido de um vigor que julgava já não conseguir encontrar por ali!
Aqueles minutos salvaram-me a visita à aldeia, proporcionando uma perspectiva que, mau grado a tendência de abandono destes espaços, continua a existir, resiliente como o granito tosco que adorna a paisagem...
Daqui a um mês estará nas bancas o número em que estas e outras imagens poderão ser vistas. Espero encontrar-vos por lá :-).
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