16.1.15

Táxis, essa enciclopédia da vida!


Táxis.

E taxistas.

Sinto uma relação de amor-ódio por eles. Por um lado, é universal a tentativa de enganar os clientes, da Europa às Américas, de África à Ásia. Quantas vezes me tentaram acrescentar meia dúzia de € à corrida no trajecto Portela - Gare do Oriente, depois de ter cruzado meio mundo?! Mas, por outro lado, são uma fonte de sabedoria popular, levando-nos a descobrir insuspeitas pérolas nos mais improváveis destinos!

Recentemente aconteceu em La Paz. Nuestra Senhora de La Paz, para ser mais correcto. A maior cidade boliviana (ainda que não seja a capital), é a paragem final da viagem que lidero com a Nomad na América do Sul. Ao acompanhar uma das viajantes ao aeroporto, deparámo-nos com uma enorme manifestação. Mais uma. La Paz é conhecida como a capital das greves e das manifestações! Desta vez eram os operários de uma mega-empresa têxtil que, após ter sido nacionalizada por Evo Morales, passou de 1200 funcionários a 5000... resultando em 4 meses de atraso no pagamento dos salários e consequente série de manifestações, com direito a policia de choque, petardos, bloqueios de trânsito e tudo a que se tem direito nestas ocasiões festivas!


Voltando ao nosso amigo taxista, conduzindo furiosamente por entre o caos do tráfego paceño, qual graciosa prima dona volteando num palco só para si, indica-me que não poderemos ir pela via rápida até ao aeroporto. Subimos pelas encostas, tranquiliza-me. Felizmente tinha calculado 3 horas de margem para o voo, portanto não me preocupei, recostando-me no banco traseiro de um Toyota a cair de velho, como se de um Rolls Royce se tratasse e o condutor fosse o Ambrósio dos Ferrero Roché, sempre prestes a fazer aparecer uma guloseima!

E a guloseima surgiu, um par de minutos depois. Subindo custosamente por ruas tão empinadas que até São Tomé - o incrédulo que só acreditava vendo - teria dificuldade em atestar existirem, apontámos às favelas das encostas de La Paz. Ao contrário de muitas outras cidades sul americanas, em que os centros foram tomados pela pobreza e são hoje dominadas pela droga e crime, com as classes altas a debandarem para os subúrbios, a metrópole boliviana segue uma lógica inversa. É nos bairros de tijolo, inacabados, nas periferias do caldeirão, que a miséria grassa. Por isso esta viagem tinha tudo para ser interessante, e uma muito bem-vinda oportunidade de mergulhar, ainda que de passagem, por uma realidade à qual eu não tivera ainda acesso, mas que há muito me despertava curiosidade.



E, ao virar de uma esquina, a rua metamorfoseia-se! Num ápice, como se por artes mágicas, os passeios enchem-se de cor, formas e conteúdo. Conduzíamos agora num mercado de frescos a céu aberto, com cenouras, batatas e beterrabas a competirem entre si, de cores vibrantes, lavadas pelas gotas pesadas de uma chuva inesperada, densa, numa cidade onde raramente chove! A estrada havia sido tomada por vendedores, camiões, bicicletas, transeuntes, taxis, cães vadios e tudo o que mais se possa imaginar! Tive vontade de parar e saltar a pés juntos neste cenário, esquecendo quem era, a cor da minha pele, de onde vinha e para onde ia. Concentrei-me em captar, apenas com o iPhone, esquissos desta cena quase bíblica, absorvendo na retina a experiência...

Sobre o acto de viajar foram ditos, escritos e apregoados infinitos lugares-comuns. Mas estes fugazes minutos dentro de um táxi decrépito ficaram-me gravados na alma de uma forma pungente, crua, real. Foi, de facto, um banho de realidade. Um pequeno terramoto cujas réplicas me fariam tremer de choque dias mais tarde, meio globo para Leste, a muitas galáxias de distância social e económica, no coração da Europa... Outras reflexões, muito em breve.




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