15.5.15
O encanto do nada fazer
Dias há em que desejamos que tudo pare. Que não haja horas para chegar algures. Que o telefone deixe de tocar. Que os emails primem pela ausência. Que a agenda não seja para aqui chamada. Que nos entreguemos à dolência apaziguadora do nada fazer – e, caros leitores, não confundir com o fazer nada.
Uma das maiores doenças sociais das sociedades ocidentais – e, diria, infelizmente, globais – é o stress. Quanto mais sobre este fenómeno reflicto, mais perplexo fico comigo próprio. Como nos deixámos arrastar para este vórtice que nos consome a alma, como é possível que minemos a beleza do quotidiano com algo tão intangível quanto destruidor, que corrói a nossa energia vital e nos leva, inexoravelmente, a um estado de ansiedade quase permanente, sem conseguir “desligar a ficha”?
Vítima conivente deste processo, mais amiúde do que o que gostaria de reconhecer, tive há dias uma oportunidade de o contrariar, consciente e gostosamente. Tirei um fim de semana de folga! WOW, coisa rara! Mesmo de folga. Sem horas para levantar, sem programa a cumprir, telemóvel (quase) desligado, (quase) sem net, no meio da serra. Aire e Candeeiros, neste caso. E numa dessas tardes de nada fazer, fiz uma caminhada. Uma curta caminhada, um par de horas, mas que me souberam a muito, muito mais. Seguindo as indicações de um local, embrenhei-me, em muito boa companhia, por um bosque de carvalhos centenários, pelo qual serpenteava um trilho de aspecto ancestral, ladeado de velhos muros calcários de pedra sobre pedra, num equilíbrio que tanto tinha de efémero quanto de poderoso, tal a evidência da sua longevidade! Chovia ligeiramente, a luz difusa do céu cinzento mas brilhante fazia a canópia de jovens e primaveris folhas refulgir, num mundo verde, do chão às copas, passando pelos troncos retorcidos e moldados por consecutivos invernos e verões... O ambiente sonoro, esse, não ficava atrás. Em fundo, bem ao longe, escutava-se o latir de algum cão cumprindo o seu dever de fiel guardião. Mais perto, o chilrear de incontáveis pássaros: chapins, pintassilgos, pardais, a que se juntavam aqui e ali gaios, melros e pica paus. Bem perto, reinavam os insectos. Aos meus pés, uma miriade de seres invisíveis interpretava uma obra musical de nome ainda por inventar!
Mais à frente, como que saindo dos territórios de Alice, emirjo para a luz num cenário de outras cores, de outros cambiantes: a muralha de rocha alva erguia-se à minha frente, desafiando à subida, ao planalto que se adivinhava lá em cima, sobranceiro à mata. Perscruto a paisagem e, por entre a vegetação rasteira, acastanhada, em contraste com o pujante verde de onde acabara de sair, anuncia-se um caminho. Decido trilhá-lo, sem saber aonde me leva realmente, sem a obrigação de o subir até ao topo. As orquídeas selvagens pontuam o solo ressequido, borrões de rosa entre as ervas ralas, que o terreno não permite grandes devaneios às sementes errantes que nele tombam. Entre as pingas de água esparsas mas pesadas que me escorrem pelo rosto vou subindo, à medida que o fundo do vale se afasta e as vistas se alargam. A meio, paro. Sento-me. Olho para o que subi. Olho para o que falta subir. E decido que ali mesmo encontrei o meu objectivo. Não mais acima. Não mais abaixo. Com a entrega de quem - excepcionalmente - nada tem para fazer...
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