"O Muro". Foi assim que ficou conhecido, durante décadas. Ninguém o confundia com o muro do vizinho, nada tinha a ver com a cerca que alguns, furtivamente, saltam. Era O muro. Que tornou ainda mais célebre a cidade de Berlim. Do betão que o constituiu, praticamente nada resta. Mas o seu legado permanece, ainda, nos corações de milhões de cidadãos da Europa Central e de Leste.
Descobri esta outra Europa, que julgava tão distante, em Maio de 1998. Local: Delta do Danúbio, na Roménia, junto à fronteira com a Ucrânia. Apaixonei-me! Voltei nesse Verão, desta vez à Polónia. Confirmei as primeiras impressões: cidades vibrantes, expressões culturais intensas e permanentes, paisagens deslumbrantes, uma história rica e com raízes longínquas... E percebi que, afinal, somos nós que estamos no fim do mundo, não eles! Ali é o centro da Europa, o coração do Velho Continente!
Varsóvia, em particular, tem um peso histórico impressionante! Uma cidade inteira arrasada e reconstruída das cinzas por um povo resiliente, forte, com uma capacidade de resistência admirável. Por lá fiquei. Mais de um ano. E desde então regresso, quase todos os anos, há mais de uma década.
Polónia e Eslováquia são países que, aos meus olhos, têm encantos mil. A paisagem é variada, as capitais exalam história em cada pedra de calçada, as montanhas são absolutamente imponentes... não esquecendo a beleza feminina eslava, lendária! Por outro lado, a gastronomia é deliciosa. Pierogi, nalesniki, bigos, zurek, barczsz... tanta coisa boa!
Uma das coisas que mais me alicia é que, apesar de serem países perfeitamente civilizados e estruturados, há ainda a sensação de que o inesperado tem o seu lugar, de que há pequenas-grandes aventuras a experienciar, gentes a conhecer, histórias a viver, a contar... Uma delas aconteceu na primeira viagem com o grupo Nomad, no verão do ano passado. Sabia que naquela zona de Bieszczady, na orla do Parque Nacional, havia algumas carvoarias. Ao chegar à zona mais remota, numa língua entre Eslováquia e Ucrânia, avistei espessas colunas de fumo no meio da floresta. Ali estaria uma, a laborar! Sai da estrada principal, para um caminho de terra batida, até chegar junto de vários cilindros ferrugentos e quentes. As múltiplas chaminés debitavam fumo e o sol, forte, mal se via, os olhos e narinas ardendo quando o vento mudava e fazia rodopiar o fumo à minha volta. Adorei a sensação. De repente, surgiu um vulto. Dirigi-me à única pessoa que se via, cumprimentando-o em polaco. Recebi o mais poderoso aperto de mão que alguma vez experimentei! A minha mão pareceu, por instantes, sumir-se da existência terrena, esmagada pela força crua da do carvoeiro. A conversa foi curta, mas franca. A surpresa por um grupo de portugueses se interessar por tal actividade arrancou-lhe alguns sorrisos.
Não durou mais de 20, talvez 30 minutos, este episódio. É, no entanto, das imagens mais autênticas que guardo dessa viagem. É é disto que se trata, quando viajamos. Trazer connosco instantes, experiências, vivências que recordamos com carinho, que nos remetem para locais, pessoas, cheiros, instintos... e que não se apagam, mesmo passados anos.
Na segunda quinzena de Agosto, lá estarei de novo. Não sei (tudo) o que me espera. Sei que algo fora do programa acontecerá. O quê? Desconheço. E gosto de não saber.
Acicata o espírito.
Espicaça a mente.
Inquieta o coração.
Haverá melhor antecipação que a que precede uma viagem?
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