É verdade. Há países que lêem. E a Polónia é,
sem sombra de dúvida, um deles. Há gente que lê na rua, há gente que lê nas
esplanadas, há gente que lê nos restaurantes, há gente que lê nos eléctricos,
há gente que lê nas paragens de autocarro, há gente que lê à espera de vez para
a casa de banho, há gente que lê nos jardins... há gente que lê em todo o lado.
E não é por acaso. A Polónia tem uma taxa de literacia de virtualmente 100%.
Literacia, por definição, significa que um adulto, com mais de 15 anos,
consiga, compreendendo, ler e escrever frases simples no seu quotidiano. E, em
retrospectiva, na minha história com a Polónia, que se estende já por década e
meia, não encontrei uma única pessoa analfabeta, qualquer que fosse a sua
idade!
O analfabetismo e, pior, a iliteracia
disfarçada pelas estatísticas é, ainda, uma sombra negra que paira sobre a
sociedade portuguesa. O legado cultural e político que carregamos, quase 40
anos após a revolução de Abril, não se dissipou totalmente. No Leste, as
ditaduras comunistas foram, na sua maioria (e ainda que o regime polaco tenha
sido dos menos repressivos), mais duras que as portuguesa e espanhola,
fascistas. No entanto, o conhecimento e a cultura eram pilares desses mesmos
regimes, ao contrário de Portugal, em que a ignorância foi alimentada de tal
forma que, ainda hoje, encontramos sobretudo no meio rural muitas pessoas a
quem, certamente com grande tristeza, não foi dada a oportunidade de aprender a
ler e escrever.
Recordo quando, no final da década de 90, dei
explicações particulares de Português a várias pessoas em Varsóvia. Gente
variada, dos quais se destacavam estudantes universitários. Nenhum necessitava,
estritamente falando, desta formação na sua área profissional. Ainda assim, e
mesmo com recursos económicos limitados (à época o diferencial de nível de vida
entre Polónia e Portugal era enorme, entretanto quase anulado), e pelo puro
gosto do conhecimento, esses jovens aplicavam o seu tempo e poupanças a
aprender uma língua da qual provavelmente nunca viriam a necessitar e que
era... do fim do mundo (com alguma razão os polacos vêm Portugal como algo
remoto e distante... afinal, é cá que a Europa “acaba”)!
Eu, tanto quanto consegui, fiz o percurso
inverso: aprender polaco. E entrar numa nova língua, na idade adulta, é
completamente diferente de o fazer em ambiente escolar, enquanto jovem. Quando
finalmente começava a ser capaz de entabular conversa, de estruturar frases
simples e a adquirir vocabulário, regressei a Portugal. Ainda assim, fiz o
possível por manter a língua viva, com viagens regulares àquele país. Lembro-me
que, a caminho do trabalho, sorvia com avidez as edições polacas da National
Geographic. Pouco percebia: ficava-me pelas legendas das fotografias, e cada
página virada era uma conquista!
Hoje, ao viajar pelo país fora, sobretudo nas
zonas mais remotas, é um gosto observar como a máscara algo carrancuda de
muitos polacos rapidamente cai ao escutarem a sua língua materna da boca de um
estrangeiro que, certamente com muitos erros pelo meio, a pronuncia com
respeito e, sobretudo, deleite.
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