25.8.13

Um país que lê




É verdade. Há países que lêem. E a Polónia é, sem sombra de dúvida, um deles. Há gente que lê na rua, há gente que lê nas esplanadas, há gente que lê nos restaurantes, há gente que lê nos eléctricos, há gente que lê nas paragens de autocarro, há gente que lê à espera de vez para a casa de banho, há gente que lê nos jardins... há gente que lê em todo o lado. E não é por acaso. A Polónia tem uma taxa de literacia de virtualmente 100%. Literacia, por definição, significa que um adulto, com mais de 15 anos, consiga, compreendendo, ler e escrever frases simples no seu quotidiano. E, em retrospectiva, na minha história com a Polónia, que se estende já por década e meia, não encontrei uma única pessoa analfabeta, qualquer que fosse a sua idade!



O analfabetismo e, pior, a iliteracia disfarçada pelas estatísticas é, ainda, uma sombra negra que paira sobre a sociedade portuguesa. O legado cultural e político que carregamos, quase 40 anos após a revolução de Abril, não se dissipou totalmente. No Leste, as ditaduras comunistas foram, na sua maioria (e ainda que o regime polaco tenha sido dos menos repressivos), mais duras que as portuguesa e espanhola, fascistas. No entanto, o conhecimento e a cultura eram pilares desses mesmos regimes, ao contrário de Portugal, em que a ignorância foi alimentada de tal forma que, ainda hoje, encontramos sobretudo no meio rural muitas pessoas a quem, certamente com grande tristeza, não foi dada a oportunidade de aprender a ler e escrever.

Recordo quando, no final da década de 90, dei explicações particulares de Português a várias pessoas em Varsóvia. Gente variada, dos quais se destacavam estudantes universitários. Nenhum necessitava, estritamente falando, desta formação na sua área profissional. Ainda assim, e mesmo com recursos económicos limitados (à época o diferencial de nível de vida entre Polónia e Portugal era enorme, entretanto quase anulado), e pelo puro gosto do conhecimento, esses jovens aplicavam o seu tempo e poupanças a aprender uma língua da qual provavelmente nunca viriam a necessitar e que era... do fim do mundo (com alguma razão os polacos vêm Portugal como algo remoto e distante... afinal, é cá que a Europa “acaba”)!




Eu, tanto quanto consegui, fiz o percurso inverso: aprender polaco. E entrar numa nova língua, na idade adulta, é completamente diferente de o fazer em ambiente escolar, enquanto jovem. Quando finalmente começava a ser capaz de entabular conversa, de estruturar frases simples e a adquirir vocabulário, regressei a Portugal. Ainda assim, fiz o possível por manter a língua viva, com viagens regulares àquele país. Lembro-me que, a caminho do trabalho, sorvia com avidez as edições polacas da National Geographic. Pouco percebia: ficava-me pelas legendas das fotografias, e cada página virada era uma conquista!

Hoje, ao viajar pelo país fora, sobretudo nas zonas mais remotas, é um gosto observar como a máscara algo carrancuda de muitos polacos rapidamente cai ao escutarem a sua língua materna da boca de um estrangeiro que, certamente com muitos erros pelo meio, a pronuncia com respeito e, sobretudo, deleite.


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