17.11.13

As novas fronteiras da cortiça


São poucos os campos em que Portugal é líder mundial. O da cortiça é um deles. Mas se perguntarmos a um transeunte o que lhe vem à cabeça a este propósito, a maioria responderá "rolhas", "pavimentos"... e pouco mais.

Publicada a peça sobre as energias renováveis, em 2008, e aproveitando a realização de um trabalho de genética cujo objectivo era a sequenciação do genoma do sobreiro, desenvolvido pelo centro de investigação Biocant, em Cantanhede, foi-me proposto pela redação da National Geographic Portugal fotografar e escrever mais uma reportagem de capa. A ideia não era debruçar-me sobre os usos tradicionais deste material nobre, e que qualquer português que se preze conhece de cor, mas sim sobre as novas fronteiras que se vislumbravam no horizonte, em aplicações de alta tecnologia, como a indústria aeroespacial (havia elementos de cortiça no space shuttle da NASA), o ramo automóvel e aeronáutico ou o desporto de alta competição. É impressionante a versatilidade e o potencial que apresenta. Tudo numa indústria que é dos poucos casos de comprovada sustentabilidade ambiental: o ecossistema de suporte (montado de sobro) é dos mais valiosos da bacia mediterrânica, e permite uma multitude de usos paralelos do território, entre os quais pastoreio, criação agro-pecuária, recolecção de cogumelos, produção de ervas aromáticas, tudo isto protegendo ainda o solo da erosão e albergando uma biodiversidade incrível. E a fazer dinheiro! Se tudo fosse assim...

Em Março de 2009, após quase um ano de campo, o trabalho resultante veria a luz do dia. A imagem de capa escolhida é uma metáfora visual dos dilemas que a cortiça enfrenta: muito arreigada à tradição das rolhas, grande motor da indústria, necessita de se reinventar para diversificar o espectro de clientes e utilizações. Os boiões de rolhas que surgem na imagem foram fotografados no laboratório de uma empresa de topo do ramo, na zona de Santa Maria de Lamas, e tinham como objectivo estudar o comportamento de diferentes lotes de rolhas quando submersas. A luta contra o tricloroanisol (conhecido como TCA), que dá o malfadado "sabor a rolha" ao vinho, foi o maior desafio até hoje enfrentado - e largamente ultrapassado - pela singela casca do sobreiro.

No entanto, para a realização da imagem, o cenário não se apresentava o melhor: uma banal mesa branca, cheia de frascos, não é uma candidata óbvia a capa! De forma a realçar as rolhas, mas emprestar uma estética mais sofisticada e que transmitisse o teor científico da reportagem, resolvi optar por um visual radicalmente diferente daquele que o olho nu via. Com uma objectiva grande angular 17-35mm, subexpus significativamente a luz ambiente da imagem e coloquei 2 flashes sem fios (Nikon SB800), controlados em TTL/CLS pela D300, atrás do boião em primeiro plano. Um, voltado para a máquina fotográfica. O outro, mais atrás, direccionado para o lado oposto, para a segunda filha de boiões. Nenhum se vê na imagem, mas o seu efeito é dramático, provocando uma forte retroiluminação e indo buscar às rolhas amareladas a cor que toda a foto ganhou e que, curiosamente, é a imagem de marca da NG.

Abaixo mostro a versão horizontal desta mesma imagem, que sinto mais equilibrada, mas que, por motivos óbvios, não pode ser utilizada na capa.


2 comentários:

  1. Sabes que por causa desta foto que fizeste, enchi um frasco cheio de rolhas de cortiça, para um dia destes tentar criar algo do género.
    Obrigado :-)

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    1. Boa! Oxalá valha o esforço e saiam daí belas fotos ;)

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