8.9.14

Como se deita abaixo um Muro


Com Solidariedade se deitou abaixo um muro. Não um muro, O Muro! Centenas de quilómetros a Oeste, as ondas de choque sentiram-se, propagando-se pela Europa de Leste como uma praga benfazeja, onde os ideais de liberdade rasgaram o medo e todas as convenções geopoliticas foram reescritas... 

Em Gdansk está o segundo portão mais famoso da Polónia - e quiçá da Europa. O primeiro é o de Auschwitz, com a infame inscrição “ARBEIT MACHT FREI” (O trabalho liberta), recentemente roubada e recuperada semanas depois. O segundo é o dos estaleiros navais da maior cidade costeira polaca, do qual um anónimo metalúrgico de farfalhudo bigode desafiou Moscovo e todo o aparatitch comunista em Dezembro de 1980!


Na sequência das greves iniciadas em Gdansk e lideradas por Lech Walesa, mais tarde o primeiro presidente democraticamente eleito da Polónia, os focos de contestação aos duros regimes do Bloco de Leste propagaram-se a vários países. O sindicato Solidarnosc (Solidariedade em polaco) surgia, no início da década de 80 e tornava-se num gigante político com o qual o governo comunista teria que lidar. A tudo isto somar-se-ia a atribuição do prémio Nobel da Paz a Walesa e o trabalho de resistência institucional encetada na mesma altura por Karol Woityla, mais conhecido por João Paulo II, criando uma maré libertária que uma década mais tarde faria colapsar o sistema que durante meio século dominou grande parte da Europa.

Atravessar esse portão é quase entrar numa máquina do tempo... Percorro, lentamente, absorto mas atento, as ruas vazias dos estaleiros, onde gruas, guindastres e portais imensos se impõem, ferrugentos mas estranhamente elegantes, numa ode improvável ao engenho humano, testemunhos inquestionáveis de uma História recente em que desempenharam papéis de destaque mas pela qual foram, paradoxalmente, abandonados, deixados sós, numa morte lenta, sem glória nem exéquias...

Sinto-me humilde, pequeno, perante a coragem desses homens e mulheres que desafiaram forças maiores sob risco de vida, sua e dos seus. Admiro e invejo esse têmpera, a tenacidade de seguir convicções e lutar até às últimas consequências por um ideal!!!

Sob a ponte que liga terra à ilha onde ainda subsiste alguma (pouca) actividade industrial um artista plástico rabisca esquiços semi-abstratos numa tela virgem. O legado permanece no imaginário colectivo polaco, que é, ele próprio, europeu e global.


Desperto paulatinamente deste torpor, regressando à terra pela brisa fria e receosa da manhã, talvez inspirado pela imagem de um Lech Walesa de punho erguido no ar, desafiador! Se me fosse dado privar com grandes figuras mundiais, ele seria uma das minhas escolhas. Não é um académico, não vem de boas famílias. É um tipo normal, de sorriso franco, que se tornou ícone por mérito próprio. Porque tem tudo no sítio! E, sem dúvida, porque simpatizo com o seu farfalhudo bigode! 


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