Foi em palhinhas deitado que, está escrito nos anais da história, terá nascido uma das mais marcantes figuras da Humanidade. Mas Jesus Cristo, JC para os amigos, não veio ao mundo a quase 4000m de altitude, embalado por um ligeiro ondular do "solo" e escutando ao longe o marulhar discreto da água calma, batendo delicadamente contra os juncos sobre os quais, de forma aparentemente periclitante, eu me deitava nessa noite.
Aconteceu nos últimos dias de um mês de Dezembro particularmente seco, sobre o lago Titicaca. E quando digo "sobre", digo-o literalmente. Flutuando. Em cima de uma ilha precária, com não mais de 30 metros de comprimento, formada por mão humana, que simplesmente é constituída por molhos enfaixados de totora, um tipo de junco colhido nas extensas margens do lago, a baixa profundidade, e sobre a qual foram erguidas pequenas casas, habitação tradicional de uma etnia diferente da de terra firme e que, segundo pesquisas recentes da National Geographic, terá uma das mais antigas linhagens genéticas de que há registo. Para além das casas, também as embarcações tradicionais, relembrando vagamente barcos vikings, eram (e ainda são) feitas de totora!
O povo que ergueu estas ilhas douradas pela primeira vez, os Uros, tê-lo-á feito por motivos defensivos. Como um iceberg, têm cerca de 2 metros de altura (dos quais apenas uns 40 ou 50cm ficam acima da linha de água), e vão sendo renovadas a cada 9 a 12 meses, com novos feixes de juncos, colocados debaixo das construções que são erguidas por robustos homens à força de braços. Em tempos idos, caso necessário, as ilhas podiam ser... movidas para paragens mais seguras, ludibriando assim os atacantes! As ilhas têm ainda (hoje para efeitos decorativos) torres de vigia, com as maiores albergando 10 famílias e as mais diminutas 2 ou 3. A sua língua foi-se perdendo com o contacto próximo que tinham com o povo Aymara, na região de Puno, a maior cidade da redondeza nas margens do Titicaca, calculando os estudiosos que se tenha extinto definitivamente há cerca de 500 anos atrás. Com a conquista por parte dos Incas, os Uros tiveram de pagar pesados impostos, chegando a ser levados como escravos...
Olá António, fotos fantásticas, principalmente as nocturnas, e fizeste-me voltar a este sítio único, e a lembrar e sentir de novo tudo o que "não cabe" numa foto. O frio, o silêncio, os cheiros, o sotaque doce dos anfitriões, o andar num chão estranhamente fofo, assistir ao amanhecer e sentir o quentinho dos primeiros raios de sol, e tantas mais boas sensações… que saudades! Por me trazeres de volta às palhinhas, muito obrigada… : )
ResponderEliminarBjs
Isabel
Bem-haja, Isabel!
EliminarUros é realmente um local único, difícil (se não impossível) de esquecer :-).