Provavelmente as mais famosas “linhas” do globo, que apenas talvez sejam rivalizadas pelas “brancas” nalguns outros meios, as de Nazca revestem-se de uma aura mística difícil de perceber até as tocarmos, observarmos, absorvermos. Situadas no deserto peruano, relativamente perto da costa, são até hoje um mistério não resolvido. Não se sabe como foram feitas ou para que serviam. As teorias são muitas, ganhando e perdendo força com o tempo e com o vai-vem dos anos, com as gentes que as estudaram e ao sabor das modas vigentes.
Com kilómetros de comprimento, fazendo formas geométricas, antrópicas ou naturais, espraiam-se pela planura árida e cinzenta. Visitei-as já por duas vezes. A primeira, pelo ar. A segunda, numa partida da meteorologia, que encerrou o aeroporto boa parte do dia, por terra. E ambas se revestiram do seu encanto. Do ar tem-se realmente a noção da escala quase (ou, quem sabe, literalmente!) sobre-humana das figuras, ténues mas perceptíveis irregularidades na paisagem. O condor, o colibri, o astronauta ou o macaco vêm-me à mente, materializando uma visão de menino nos olhos de homem feito... À medida que o pequeno avião, com 5 passageiros e 2 tripulantes, oscilava sob as rajadas de vento quente como uma folha seca de outono, testando ao limite a resistência às naúseas dos vários companheiros de voo (um dos quais rapidamente soçobrou, suando e vomitando copiosamente no banco atrás de mim, em quase choque), as personagens principais desta película exibiam o seu encanto debaixo de nós, imutáveis há séculos, sobreviventes a impérios e culturas que vieram e se foram, como o pó que rodopia acima do solo, em novelos diáfanos que se formam e esfumam em segundos.
Mas, curiosamente, foi na visita a pé que mais senti a magia do local. Conformado com o facto de que não voaríamos nesse dia, aluguei uma carrinha e lá fomos. Atravessadas pela mítica estrada Pan Americana, que liga o Alaska à Patagónia, longas linhas se formam até ao horizonte, depressões ligeiras na paisagem, feitas não se sabe muito bem como, resistindo pela secura extrema deste habitat, em que quase não chove, logo mantendo as rochas e pequenas pedras no seu lugar durante anos... O mirador natural formado por uma pequena colina de uns 15 metros de altura deixava antever a dimensão, de uma forma mais tangível que a conseguida pela vista do avião...
Cerrando por instantes os olhos, dando-lhes uns segundos de descanso do sol e sobretudo do vento impiedoso que fustiga a pele com milhões de pequenas partículas de areia como se de agulhas afiadas se tratasse, imagino discos voadores, extraterrestes ou exércitos de escravos a escavarem de mãos nuas o deserto... O espírito de Maria Reiche, a arqueologista alemã que viveu literalmente para as linhas de Nazca, investigando até à sua morte o fenómeno e dando-lhe reconhecimento global, poderia surgir ali e não me surpreenderia nem um bocadinho. Inicialmente assistente do americano Paul Kosok, as teorias que explicavam as linhas foram evoluindo. Pensava-se, nos primeiros anos, que fossem um calendário ou alguma forma de observatório astronómico, dada a elevada precisão matemática que apresentam. Também se aventou a possibilidade de fazerem parte de um sistema de irrigação, mas essa hipótese foi entretanto abandonada, sendo presentemente mais sólida a hipótese de constituirem um complexo religioso ritual. Não esquecendo a explicação de uma origem alienígena, que nos anos 80 e 90 tinha adeptos por todo o mundo!
No entanto, nada é certo... E com essa incerteza no peito, regressei às ruas apertadas e ruidosas de Nazca, a cidade que vive desse fenómeno inexplicado e que atrai, num magnetismo único, milhares de curiosos de todo o mundo. Eu incluído.
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