16.12.14

Muito mais que uma pulseira



Foi uma singela pulseira que me ligou, por curtos minutos, a um dos mais belos olhares que enxerguei na minha primeira viagem ao Peru. O dia estava soalheiro, e ainda assim corria uma aragem fresca, que diria impregnada de cristais de gelo oriundos dos permanentemente alvos picos da Bolívia, ao longe. Entre duas golfadas de ar inspiradas sofregamente, dada a rarefacção desse elemento essencial à vida - o oxigénio - vi um pequeno e ágil vulto a assomar ao caminho, saltitando despreocupadamente, enquadrado por uma saia multicolor e uma cabeleira lisa, tão negra quanto lustrosa. Ao ver-me, estacou e fitou-me nos olhos, à distância. Nas suas mãos vejo aparecerem, como que num passe de astuto presdigitador, um arco-íris em forma de finas pulseiras! Lentamente a pequena menina, com não mais de 5 anos, foi-se aproximando por entre as irregularidades do caminho. O instinto foi de puxar da máquina e disparar de imediato. Era uma criança, afinal, para quê pedir autorização? Mas não... Optei por uma outra abordagem. Com a máquina arrumada na bolsa, ajoelhei-me, para a fitar olhos nos olhos à mesma altura, procurando encurtar a diferença de idade, de cor de pele e sobretudo de cultura, e pergunto-lhe que pulseiras são aquelas. Timidamente entabulamos conversa, e definimos o negócio. Compro-lhe não uma, mas duas pulseiras, pelo preço proposto, sem regatear, e peço-lhe em troca umas fotos. Ela anui, sorri, eu sorrio, ergo delicadamente a máquina fotográfica e faço alguns disparos, com movimentos suaves, pausados, tranquilos.


Como disse, não mais de uns minutos se passaram. Mas a pureza do trato impressionou-me. Foi, em última análise, uma troca. Envolveu dinheiro, sim. Mas também palavras. Sorrisos. A pulseira, com a palavra “Taquile” inscrita na trama fina (pelo menos não era uma chinesice), aterrou dias mais tarde no pulso de uma outra menina, a um oceano de distância, a quem contei esta história... Realidades tão diferentes, olhares tão semelhantes!


4 comentários:

  1. Bela história, António, obrigado.
    Já agora, uma perguntinha fotográfica: a foto de destaque, com aquela profundidade de campo, foi com a X100S? Abraço.

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    1. Obrigado, Filipe :-). Quanto à primeira foto, não, a X100s não permite profundidade de campo tão reduzida. É a Nikon D800 com a 35mm 1.4 @ 1.4.

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  2. Anónimo22.12.14

    Fez-me voltar lá! A segunda e a terceira fotos estão DEMAIS!

    Rui Vale

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